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Quando vidas se tornam números

  • joimartinsrocha
  • 31 de mai. de 2021
  • 3 min de leitura

O reflexo dos dados quantitativos sobre a banalização das perdas humanas pela covid-19


Foto: Pixabay
Por Bruno Andrade, Joice Martins e Thais Oliveira

Segundo o painel do site Coronavírus, até a última quarta-feira (3/3) o Brasil acumulava 10.689.227 casos de infecção desde os primeiros registros. Do total, 262.770 eram óbitos. Os gráficos confirmavam ainda um salto nos números desde janeiro, resultado oriundo das confraternizações de fim e começo de ano. Era o maior pico já apresentado pela pandemia, superando inclusive o segundo semestre de 2020. Das regiões brasileiras, alerta vermelho ao Sudeste e Nordeste, com 3.927.543 e 2.539.655 casos acumulados respectivamente.


E o que isso nos diz? Basta ligar a TV, sintonizar a rádio, abrir a primeira página do jornal, ler a manchete do portal ou ver o link da postagem do amigo do Facebook. São números com os quais nos acostumamos. Fazem parte do café da manhã, almoço e jantar. Para alguns são pouco palatáveis, indigestos. Para outros, corriqueiros, assim como os dias que se passam iguais desde que a pandemia se instaurou. Alguns perdem o sono ao pensarem que em cada número pulsava uma vida. Mas a grande maioria nem tem tempo para pensar.


O cenário é devastador. Recorde de mortes por dia depois de um ano da pandemia com uma nova variante do vírus originada do Amazonas e o endurecimento das medidas de restrição. E a população brasileira reage de forma contrária às recomendações. Ainda promovem aglomerações intencionais em festas clandestinas e encontros com amigos e familiares, os quais, muitas vezes, são registrados e compartilhados em suas redes sociais, num ato de total descaso ao luto de milhares de familiares. Um exemplo recente e amplamente noticiado foi o da prisão do cantor Belo após realizar um show clandestino em uma escola pública no Rio de Janeiro no dia 13 de fevereiro de 2021, registrado por inúmeros presentes.


Em abril de 2020 o “meme do caixão” viralizou nas redes sociais. Os usuários usavam o vídeo de uma cerimônia tradicional em Gana, país africano, para fazer montagens bem-humoradas. A mais famosa mostra o presidente Jair Bolsonaro sorrindo enquanto carrega um caixão, referência à sua postura omissa. A banalização ou naturalização da morte é um processo majoritariamente inconsciente, em que minimizamos os resultados catastróficos do contexto — nesse exemplo por meio de memes — para nos sentirmos melhor, isentando do protagonismo sobre o desenrolar dos fatos. “Afinal, nem o presidente se importa, quem dirá eu”. Presidente eleito e aclamado em 2018 com 55,1% dos votos.


O trabalho da mídia é ainda mais importante no contexto, humanizando narrativas para impactar e conscientizar a população. “O que é mais de 200 mil mortos para mim se não vejo a história de nenhum deles?” Atualmente o recorte de uma única história, de uma vida perdida por feminicídio ou homicídio doloso, em um jornal sensacionalista como o “Cidade Alerta”, nos impacta mais e parece ser mais real do que a veiculação constante de números. As pessoas ficam estarrecidas, “de novo isso? A mídia quer nos assustar”.


É claro que o padrão discursivo dos jornais sensacionalistas não é o ideal para lidar com as mortes resultantes da pandemia, mas a forma fria como elas são mostradas pode melhorar e atingir um tom mais empático. A grande imprensa está na contramão, principalmente porque o jornalista não tem tempo e se depara com inúmeras pautas para fazer. O repórter acaba escrevendo só três parágrafos, de forma mecânica, com base no relatório diário de mortes.


Há veículos, no entanto, que tornam o jornalismo afetuoso, como abordado pela professora e pesquisadora em jornalismo Cremilda Medina, um sonho real. É o caso do Inumeráveis, site que retrata a história de cada uma das vítimas da Covid-19 em ordem alfabética. Em tom poético e profundo, faz as pessoas refletirem apenas contando quem eram, o que gostavam e almejavam — chamamos de storytelling. Toca o coração do leitor, o levando a sentir a perda da família.


É o caso da narrativa sobre a jovem de 25 anos, Agatha Lima. O texto relata a forma intensa com a qual a trabalhadora da UPA da Maré vivia sua vida, nos envolvendo porque nos colocamos no seu lugar. O que surpreende o leitor logo de cara é a idade de Agatha. Tão jovem e tão distante do grupo de risco, mas teve sua vida ceifada. Nessa abordagem, Agatha não é uma em mais de 250 mil pessoas. Ela tem uma mãe que sente sua falta, amigos que lembram de sua alegria. Um ser humano, com sonhos interrompidos.


Portanto, a falta de empatia do presidente do Brasil somada à cobertura fria da imprensa tradicional e popular, que valoriza números e não as histórias de vida e sonhos dessas pessoas, resulta em uma população também descrente aos riscos reais inerentes a todos. Textos como o da Agatha são excelentes, mas minoritários. Sonho é um jornalismo mais humano e afetuoso, que sensibilize a sociedade e a conscientize, ajudando a reverter o números de mortos e contaminados no Brasil.

 
 
 

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